How Neuromancer Changed Me

Deixar a narrativa sem muita explicação até o ponto de inflexão dramática pode ser uma estratégia interessante desde que não se estenda muito a história a ponto de desinteressar o leitor e as informações inicialmente apresentadas sejam reutilizadas com propósito. Acho engraçado como é possível resumir algumas obras de ficção a uma página.

Three-Sentence Summary

  1. Em uma sociedade onde a tecnologia regula as relações, um cowboy cibernético é contratado de forma forçada para invadir uma IA com um grupo de criminosos.
  2. Descobre-se que quem contratou essa missão foi a própria IA (Wintermute) que iria ser invadida. Ela tinha uma outra versão que estava presa (Neuromancer).
  3. No fim elas se fundem em uma só e desaparecem na Matrix.

Notes

🔖 Page 311

O céu do sobre o porto tinha cor de televisão num canal fora do ar

Esse livro foi uma montanha russa de entretenimento. Entre descrições confusas muito provavelmente devido a uma tradução um pouco inexata e outros instrumentos narrativos que agravam a desordem do domínio da história, posso dizer que no final vale a pena. É definitivamente um livro que mantém sua reputação pela criatividade, mas eu não consigo mensurar o quão impactante foi sua influência porque a maioria das invenções e bugigangas tecnológicas apresentadas eu já havia sido introduzido em outras histórias, as quais muito provavelmente tenham derivado justamente do Neuromancer. Logo, para mim, a criatividade da obra não foi algo muito surpreendente já que já espera esses elementos dentro de uma obra cyberpunk. É algo similar que tive com Dune e A máquina do tempo, dois clássicos da literatura de ficção, mas que não senti o impacto que esperava ter. Acho que preciso regular minhas expectativas quantos aos clássicos, não que sejam ruins, de forma alguma, mas sempre espero sair com o sentimento de “uau, agora entendo o quão revolucionário esse livro foi”. Tenho quase certeza que tem algum nome para esse efeito psicológico, todo mundo que acompanha o Oscar anualmente para saber qual será o melhor filme sabe do que estou falando.

O mais cômico desse livro é que o autor decidiu contar a história a partir do ponto de vista do personagem principal chamado Case, que é um tipo de hacker, quero dizer, cowboy, porque hacker não era uma palavra que existia ainda em 1983. A questão é que durante boa parte do livro Case não sabe o que exatamente está acontecendo e quem está por trás da missão que ele foi contratado para realizar e assim o leitor também fica, sem saber o que exatamente é o ponto da história. É um instrumento narrativo comum para manter os leitores engajados e interessados na narrativa para saber o que está acontecendo, mas, não sei o porquê, para mim muitas vezes me pareceu monótono demais e teve definitivamente momentos em que não estava prestando atenção nas informações só porque queria acabar com o livro logo, o que é triste porque a partir do momento que ler um livro por entretenimento se torna algo como um incômodo que você faz por obrigação, perde-se o sentido de ler o livro em primeiro lugar. Não é à toa que a maioria das minhas marcações de ideias interessantes se restringiram ao primeiro capítulo.

Os japoneses já haviam esquecido mais neurocirurgia do que os chineses jamais haviam aprendido

(...) a postura da elite envolvia um certo desprezo suave pela carne. O corpo era carne. Case caiu na prisão da própria carne.

Era difícil fazer transações comerciais legítimas com dinheiro vivo no Sprawl; no Japão, já era ilegal.

Esse sentimento de que parecia que o autor estava enrolando para criar mais conteúdo sem propósito para a história só para fazer o livro ter mais de 100 páginas se confirmou para mim quando ele mesmo resumiu a trama narrativa inteira em uma frase.

Armitage parece estar montando uma incursão em uma IA que pertence à Tessier-Ashpool. O mainframe fica em Berna, mas está linkado a outro no Rio. O do Rio foi o que te deixou com linha morta daquela primeira vez. Então, parece que eles se linkam via Straylight, a base da T-A, lá no final do fuso, e a nossa missão deveria ser abrir caminho cortando com o ICE-Breaker chinês. Então, se Wintermute está bancando esse show todo, está nos pagando para queimá-lo. Ele está queimando a si mesmo. E alguma coisa que chama a si mesma de Wintermute está tentando cair nas minhas graças, tentando fazer talvez com que eu pegue o Armitage. Qual é a parada?

- Case, Neuromancer (Pg. 160)

O mesmo ocorre com a finalização da missão, o autor novamente dá um resumo em um parágrafo do que aconteceu, como se fossem aqueles créditos que passam ao final de um filme baseados em fatos reais para explicar o que aconteceu com as pessoas envolvidas.

Wintermute vencera; de um modo qualquer tinha-se fundido com Neuromancer e se transformado noutra coisa, que lhes falara da cabeça de platina, explicando que todos os registros da Turing já estavam alterados, com todas as provas dos seus crimes apagadas. Os passaportes fornecidos por Armitage continuavam válidos e ambos tinham sido creditados com substanciais importâncias em contas numeradas de um banco de Genebra. O Marcus Garvey seria, eventualmente, devolvido e tanto Maelcum quanto Aerol tinham recebido dinheiro, através do banco das Bahamas que negociava com Zion. No regresso, a bordo do Babylon Rocker, Molly explicara o que a voz dissera sobre os sacos de toxina. '— Disse que isso já estava resolvido. O material havia invadido a sua cabeça de tal maneira que fizera com que o cérebro fabricasse a enzima, de modo que agora já estariam soltos. Os zionitas vão lhe fazer uma transfusão de sangue completa.'

- Wiliam Gibson, Neuromancer (Pg. 308)

De certa forma dá para se resumir a história nessa duas citações.

O personagem que dá título ao livro só aparece no final da obra também, que se trata da IA Neuromancer, que sinceramente não me lembro o que era o propósito dela. Mas acho que ela era a mesma IA que o Wintermute? Realmente não consigo lembrar.

Essa é uma coisa que me aconteceu após ler a obra. Eu lembro muito mais dos personagens que vamos acompanhando, porque é com eles que passamos a maior parte do tempo, do que dos personagens que dirigem a trama (as IAs e as grandes corporações). O que é irônico porque no prefácio Gibson comenta justamente sobre seu receio de o que aconteceria com a obra caso ele tivesse previsto o uso de celulares sem fio ao invés de ter criado um rede conectada fisicamente.

Um romance de celular profético de verdade teria sido estruturado de uma maneira muito pertubadora, fazendo com que seus personagens atuassem, devido a um grau de conectividade sem precedentes, de formas que se tornariam, de pronto, mais importantes do que a narratiba propriamente dita.

- Wiliam Gibson, Neuromancer (Pg. 14, prefácio)

Para mim isso aconteceu de qualquer jeito, só troca as tecnologias. Mas, ainda assim, preciso elogiar o quão prolífico é sua escrita, algo que não é tão salientado na obra em si mas sim no seu prefácio, acho que a tradução convulsa tirou um pouco desse brilho, acho que vale a pena ler a obra na língua original. Mas não posso deixar de registrar duas frases legais que gostei que ilustravam e davam um foreshadowing do desejo de morte do personagem principal que viria a dar um flatline (termo que usaram para os cowboys que tinham uma parada cardíaca durante uma operação) várias vezes em suas incursões na matrix para invadir as IAs.

Ninsei o desgastou até que a própria rua ficou parecendo a externalização de um desejo de morte, um veneno secreto que ele não sabia que levava consigo

'-A gente consegue rodar isso?' '- Claro.' - disso o constructo - 'A menos que você tenha um medo mórbido de morrer.'

- Flatline, Neuromancer (Pg. 162)

Uma outra frase que aderi ao meu repertório e de cunho mais filosófico foi a própria forma como a IA Wintermute se descreve, apesar de que aqui estou tirando a frase um pouco de contexto, mas para a discussão que quero é o irrelevante.

Pode-se dizer que o que eu sou é basicamente definido pelo fato de que não sei, porque não posso saber.

Essa perspectiva é muito interessante, por que sempre tinha a noção de que o que nos define são as ações que decidimos tomar com as informações que temos (Mind’s Baeysian Nature). Talvez realmente tão importante quanto, ou até mais (debatível), do que as informações condicionais que temos, são as informações que não temos, pois isso determina o nosso nível de consciência.

O que nos define é nosso nível de consciência, ou melhor, a falta dela. Essa sim parece ser a premissa, pois ela precede até mesmo a definição de propósito. O que será que pesa mais? O que temos ou o que não temos?

Trazendo a discussão de volta para IAs, isso significa que o nível de consciência de uma IA determinará seu livre arbítrio? Livre arbítrio é um comportamento emergente dado o nível de consciência de um sistema?

Independentemente das respostas, só corrobora com o fato de busca por conhecimento ser a melhor forma de ser consciente.